Brasílio Sallum Jr , B Resenha Labirintos Dos Generais


Passado e presente:
a crise de ontem e nossas escolhas atuais
Brasilio SALLUM JUNIOR. Labirintos. Dos generais Ä… Nova RepÅ›blica. Sćo Paulo, Hucitec, 1996. 199 páginas.
Sebastićo Velasco e Cruz
Aos olhos do historiador que, no futuro, vier a se debruçar Labirintos. Um dos méritos  nćo o menor  do livro de
sobre a experiÄ™ncia brasileira deste século, a década de 80 Brasilio Sallum Jr. é o de trazer ao debate o sentido
aparecerá, certamente, como um divisor de águas. Com profundo desse movimento global de mudança. Com
efeito, tendo convivido quase 20 anos com uma economia efeito, há muito vem desfalecendo entre nós a tradiçćo 
em forte expansćo e um sistema político fechado, sob o um dia forte  dos ensaios interpretativos que buscavam
mando autoritário das Forças Armadas, o Brasil atravessou esclarecer a natureza e o rumo das transformações políticas
os anos 80 imerso em crise. No plano político, assistiu-se Ä… vividas na atualidade com base no estudo sistemático dos
desagregaçćo do regime autoritário e Ä… tortuosa trajetória interesses sociais em confronto nas diferentes arenas
em direçćo a uma nova ordem que se quer democrática. No decisórias, de seus alinhamentos, dos meios e modos por
campo da economia, sob o impacto da crise da dívida eles empregados para fazer valer sua vontade, contra a
externa, a década de 80 foi marcada pela inflaçćo aguda, o resistÄ™ncia dos oponentes. Resultado, em parte, da lógica
descontrole das finanças pÅ›blicas e a prevalÄ™ncia de taxas interna Ä…s distintas disciplinas  crescentemente
de crescimento medíocres e erráticas. Como resultado profissionalizadas  no campo das ciÄ™ncias sociais, os
conjugado de tais problemas e dos conflitos neles estudos sobre a transiçćo no Brasil (e alhures) tÄ™m sido
implicados, a década vai culminar no grande confronto de marcados pela Ä™nfase excessiva nos aspectos político-
perspectivas que se deu em torno das eleições presidenciais institucionais. Com muita freqüÄ™ncia, tais estudos parecem
de 1989. A vitória obtida pelo campo liberal nesse episódio trabalhar com a suposiçćo de que os fenômenos políticos
crítico produziu uma alteraçćo radical na agenda política, observados sćo completamente autônomos, apenas externa
abrindo o caminho para o período de grandes mudanças e contingentemente relacionados ao que ocorre em outras
institucionais que estamos vivendo no presente. dimensões da sociedade. Os efeitos desse "confinamento"
da atençćo nem sempre foram negativos  na ausÄ™ncia
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dele, provavelmente muitas particularidades dos processos agora de forma desordenada  sob Figueiredo, e
de transiçćo permaneceriam obscuras. Mas o custo de tais vertiginosamente acelerado na Nova RepÅ›blica, quando se
benefícios foi elevado: ao fraturar dessa forma a realidade, constitui em um dos fatores básicos do reordenamento
ao desconsiderar os "jogos" que transcorriam fora do institucional expresso na Constituiçćo de 1988. De outro
espaço político convencional, os estudos desenvolvidos lado, a desagregaçćo do Estado Desenvolvimentista, marco
nessa linha muitas vezes perderam de vista o que dava de referÄ™ncia infranqueável dos diferentes regimes políticos
substância aos conflitos travados na arena política, pouco que se sucederam entre nós desde 1930.
contribuindo para esclarecer os realinhamentos que se
O primeiro desses movimentos é objeto de seções dos
verificam no período pós-autoritário. Ao se fixar a tarefa de
capítulos 1 e 2, aparecendo como tema dominante no
incorporar metododicamente o ensinamento
terceiro capítulo da obra. Postas em conexćo, essas análises
institucionalista Ä… tradiçćo interpretativa antes mencionada,
descrevem uma tendęncia bastante clara: deslanchado
Ä… qual se filia, Brasilio Sallum produziu um texto que dá
muito cuidadosamente pelo governo Geisel, como parte de
uma contribuiçćo importante para o esforço coletivo de
seu projeto de distensćo política, o processo de
reflexćo sobre uma quadra histórica dramática ainda
redistribuiçćo de poderes Ä…s instâncias subnacionais de
projetada em nosso presente.
governo tem o efeito nćo antecipado de alimentar
Seu título é sugestivo. Labirinto evoca a imagem de uma pretensões de autonomia nos estados e municípios, bem
teia intrincada, em meio Ä… qual, entretanto, é possível como no interior do partido oficial (a candidatura "rebelde"
descobrir um caminho simples que leve Ä… saída. Outro de Paulo Maluf ao governo de Sćo Paulo em 1978). Ele
tanto, talvez, caiba dizer a respeito do próprio livro. ganha ímpeto com a eleiçćo direta de governadores, em
Praticante assíduo dessa arte sutil que é a análise de 1982, traduzindo-se em pressões irrefreáveis pela
conjuntjura, o autor oferece ao leitor inÅ›meros exemplos redistribuiçćo de recursos fiscais e pelo desmantelamento
de sua perícia, ao esclarecer situações e processos dos mecanismos criados pelos governos militares para
localizados até entćo pouco inteligíveis. Nesse particular, controlar, quantitativa e qualitativamente, os gastos de
caberia referir, dentre outras, as anotações precisas que faz estados e municípios. E atinge o seu ápice no período que
a respeito da campanha pelas "diretas já" e do significado se segue Ä… crise sucessória, momento em que "os políticos
macropolítico do compromisso que funda a Nova profissionais, congressistas, representantes de assembléias
RepÅ›blica. Ou, ainda, os comentários sumamente estaduais e governadores viram-se com um poder jamais
esclarecedores sobre o redirecionamento dado Ä… política experimentado anteriormente" (p. 121).
econômica na gestćo Maílson da Nóbrega. Mas nćo está aí
Essa observaçćo dá o mote para a análise desenvolvida no
o principal. Cortando todas as suas páginas, há um fio
terceiro capítulo. Com efeito, escolhido por um colégio
condutor que liga uns aos outros cada um desses
eleitoral restrito, mas nćo mais obediente a qualquer
"exercícios" e indica, muito nitidamente, os contornos de
comando externo, "fosse qual fosse o vencedor da disputa,
um argumento geral sobre esse período. É a ele que
Tancredo ou Maluf, encontrar-se-ia em posiçćo similar:
pretendo me cingir neste ensaio.
presidiria o país amarrado a uma teia de compromissos com
Creio nćo trair o autor ao dizer que, em sua interpretaçćo, a `classe política', sob pena de perder as condições de
os impasses econômicos e políticos vividos no Brasil na governá-lo." (p. 122). O desaparecimento de Tancredo
década passada tinham suas raízes plantadas em dois apenas acentuou essa fragilidade congÄ™nita. Assim, no
movimentos relativamente independentes, embora início da Nova RepÅ›blica, "as cÅ›pulas do PMDB e da
intimamente associados. De um lado, o processo de Frente Liberal transformaram o governo Sarney num
desconcentraçćo política iniciado, de forma estritamente condomínio em que mal se distinguia a personalidade do
controlada, durante o governo Geisel; aprofundado  já presidente" (p. 123). O qual, ao longo de seu mandato,
PASSADO E PRESENTE: A CRISE DE ONTEM E NOSSAS ESCOLHAS ATUAIS
recorreria com freqüÄ™ncia a um mesmo estratagema soez: desenvolvimentista nćo se manteve inalterado. Ao
avalizar iniciativas polÄ™micas; assistir passivamente Ä…s contrário, no decurso do tempo, ele incorporou novos
reações de hostilidade que elas geravam, e finalmente segmentos e variou também a forma de organizá-los. Os
intervir, como se fora um árbitro, para afastar aliados diferentes regimes políticos que se sucederam no período
incômodos, afirmando tortuosamente, dessa forma, a sua expressam, no plano político-institucional, essa realidade.
discutível autoridade. Esse conflito de vontades marca todo
A radicalidade da crise inaugurada no início dos anos 80
o período, com resultados conhecidos: o detentor da
reside no fato de que, contrariando a percepçćo dos atores
PresidÄ™ncia paga um preço exorbitante pelas "vitórias"
 insistentes que se revelaram em buscar soluções para as
obtidas e conclui seu mandato em profundo descrédito; já
dificuldades vividas nos velhos marcos  , dessa feita era o
os seus oponentes (nćo só os estados da Federaçćo e o
quadro de referęncia mesmo do Estado
Congresso, mas vários outros "nÅ›cleos subalternos de
Desenvolvimentista que estava posto em xeque. Daí a
poder") sćo mais bem-sucedidos, conseguindo
natureza eminentemente conservadora da Nova Repśblica,
autonomizar-se perante a Unićo e a Presidęncia, com a
"uma sobrevida deteriorada da velha aliança nacional-
apropriaçćo parcial de poderes nela localizados.
desenvolvimentista em meio a circunstâncias inóspitas" (p.
Vale a pena registrar algumas das inferęncias que o autor 114).
extrai de tal desenlace: (a) "Enfraqueceu-se a capacidade do
Nessas condições, os repetidos ensaios de responder ao
Estado de intervir de forma unificada na economia e na
duplo desafio de restaurar a estabilidade monetária e
sociedade" (p. 134); (b) "[...] os agrupamentos de interesse
assegurar a retomada do crescimento sustentado estavam
[...]  mesmo os de raízes populares  ampliaram suas
de antemćo fadados ao insucesso. "Em cada uma das
possibilidades de [...] `encastelar-se no Estado', seja no
tentativas, heterodoxas ou ortodoxas, buscava-se recuperar
âmbito municipal, estadual ou federal, seja nos quadros
a autoridade do Estado [...] jogando o ônus do `ajuste' do
administrativos do executivo, do legislativo ou do
setor pśblico sobre os ombros ora de um ora de outro
judiciário, seja nas empresas estatais [...]". Ao transmitir,
componente da velha aliança desenvolvimentista." Em vćo.
dessa forma, para o Estado as tensões inerentes Ä…
"Em todas as situações, os segmentos marcados como
sociedade, o processo antes descrito tende a "potenciar as
eventuais perdedores [...] acabaram por encontrar meios
tensões já existentes na organizaçćo estatal, acentuando
para impor seu veto ao ajuste pretendido, obrigando o
suas inconsistęncias, a paralisia que por vezes atinge os
governo a mudar de rota. A inflaçćo retomava, entćo, seu
processos decisórios [...]" (pp. 154-155). Esses resultados,
curso ascendente e esvaíza-se a autoridade do Estado." (p.
porém, permanecem ininteligíveis se abstraídos do segundo
159).
"movimento" estudado no livro, vale dizer, o processo que
desemboca na crise do Estado.
É neste ponto que os dois "movimentos" se encontram,
exasperando a crise e preparando o terreno para a eleiçćo
Crise do Estado. Com essa noçćo Sallum tem em mente
atípica que deu a vitória a Collor. Restaria esclarecer que
algo bem maior e mais profundo do que a simples exaustćo
eles tÄ™m pesos distintos na análise. Quanto a isso, o autor é
financeira do governo, aspecto a que se atęm
bem claro: o fator decisivo é a crise do Estado.
unilateralmente muitas análises. O que a crise põe em tela é
a própria estrutura do Estado, e a natureza de suas relações
Mas fica pendente a pergunta: o que a determina? Ela era
com a sociedade. No Brasil, desde a década de 30, vivemos
inexorável? Que cenários se abrem como soluções
sob o signo do Estado Desenvolvimentista, que tem como
possíveis para ela?
pilar um pacto social sui generis, de onde emanavam os
princípios norteadores de suas políticas e o simbolismo que
as legitimava. Ao longo de sua existęncia, esse pacto
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Essas questões nćo sćo estudadas sistematicamente em "Em conseqüÄ™ncia dessas mudanças internacionais 
nenhum lugar. Contudo, reunindo as indicações dispersas escreve o autor  qualquer saída para a crise econômica e
no livro, creio poder discernir o contorno de dois política que abala o país desde o começo dos anos 80 [...]
argumentos distintos. E eles nćo sćo facilmente passará necessariamente por uma integraçćo maior do
conciliáveis. capitalismo local na dinâmica pós-nacional do capitalismo."
(p. 170). O que pressupõe o fim do pacto
No primeiro, a crise do Estado Desenvolvimentista aparece
desenvolvimentista e o abandono da estratégia de
como resultado da conjugaçćo de fatores internos e
desenvolvimento nele implicada.
externos. Esse é o argumento que se desenha em passagens
como a que se segue: "Nasceu velha [a Nova RepÅ›blica] Essa liçćo, os protagonistas da crise, pouco a pouco,
porque opondo resistÄ™ncia Ä…s novas tendÄ™ncias políticas acabaram por assimilar. É o que constata o autor, muito
que, aos poucos, iriam terminar por quebrar o velho Estado precisamente, nesta passagem: "As tentativas, fracassos,
e o capitalismo orientado para a auto-suficiÄ™ncia  as mudanças de direçćo, novas derrotas nćo
tendÄ™ncias que representavam os impulsos de constituíramapenas um movimento circular, quase
democratizaçćo da sociedade e os dinamismos do mercado repetitivo [...] O exame da sucessćo de políticas econômicas
transnacional." (p. 114). permitirátambém detectar sinais, ainda tÄ™nues, de que a
mudança ganhou certa direçćo, de que no plano
No segundo, ela surge como decorręncia direta das novas
sociopolítico as forças sociais começaram a mover-se rumo
realidades emergentes na economia mundial. Nas palavras
a um novo pacto, de desenho ainda muito vago e
do autor, "[...] o padrćo de desenvolvimento associado mas
incompleto." E para que nćo paire dśvida sobre o sentido
auto-suficiente se inviabilizou [...] porque os processos de
desse deslocamento, ele acrescenta: "Só muito depois do
transnacionalizaçćo foram adquirindo uma base
fim da `Nova Repśblica' esses movimentos produzirćo
tecnológica que tornou mesquinho o patamar de
uma articulaçćo sociopolítica mais definida e conseguirćo
produtividade alcançado pela indÅ›stria brasileira". Na
expressćo dominante no plano político-institucional,
seqüÄ™ncia, depois de breve mençćo Ä… terceira revoluçćo
podendo entćo sustentar uma nova estratégia de
industrial e ao papel nela reservado Ä… eletrônica e Ä…
desenvolvimento capitalista para o país." (p. 158).
informática, o argumento é reforçado: "A partir daí, as
diferenças de produtividde tornaram-se tćo grandes [...] que Haveria muito a dizer sobre a tensćo entre os dois
a forma auto-suficiente de desenvolvimento se argumentos que se insinuam no trabalho de Sallum e sobre
tornou estruturalmente anacrônica." (p. 169). as conseqüÄ™ncias do fato de um deles  o segundo  ter
clara primazia em sua análise. Mas nćo é esse o caminho
Nessa linha de raciocínio, as pressões exercidas pelos
que pretendo trilhar. Nos limites deste espaço, prefiro me
principais centros de poder mundial para que o Brasil
ater a um elemento comum a ambos, o qual, a meu ver, é
adotasse o programa sintetizado nas diretrizes "abertura
fonte de inÅ›meras dificuldades. Refiro-me Ä… noçćo de
comercial", "fim das reservas de mercado",
Estado Desenvolvimentista e Ä… estratégia econômica que
"desregulamentaçćo", operaram como fator interveniente,
lhe seria própria.
dramatizando um anacronismo previamente observável.
Como se viu, o que confere Ä… crise dos anos 80 a sua
Nessa dupla qualidade  como fonte de constrangimentos
prolongada duraçćo e toda a sua profundidade é o fato de
estruturais e como foco de ações dirigidas  , o papel da
ela envolver muito mais do que uma simples transiçćo de
economia capitalista mundial nćo é apenas o de provocar e
regime e/ou a exaustćo financeira do Estado. O que
acelerar a crise do Estado Desenvolvimentista. É também
assistimos no Brasil nesse período é Ä… crise da "forma"
o de ditar os termos em que será possível a sua superaçćo.
assumida pelo Estado brasileiro desde a era Vargas. A
PASSADO E PRESENTE: A CRISE DE ONTEM E NOSSAS ESCOLHAS ATUAIS
reproduçćo dessa forma, mesmo remodelada, revelou-se praticamente todos os Estados capitalistas periféricos
inviável em face dos condicionamentos já aludidos. No relativamente bem-sucedidos, e todos aqueles que
contexto definido por estes, o Estado Desenvolvimentista procuraram sem sucesso emulá-los. Embora a seu modo
já nćo tem lugar. "desenvolvimentistas", esses Estados diferem entre si pela
forma como se inserem na economia internacional (e as
Assim reza o argumento. Mas o leitor pode querer
variadas configurações assumidas pela mesma no decorrer
informações adicionais. O que, mais precisamente, fica
da história); pelas distintas maneiras como se relacionam
perempto diante dessas novas realidades? O que, em
com a estrutura de classe das sociedades correspondentes
particular, é por elas negado?
(bem como pela variegada composiçćo social destas); pela
centralidade, maior ou menor, conferida ao objetivo de
A maneira como o autor define a noçćo de
promoçćo econômica e, conseqüentemente, pela
"desenvolvimentismo" nos dá alguns elementos para a
autonomia e poder atribuídos aos organismos a ele afetos
resposta. "Entende-se aqui desenvolvimentismo  escreve
no conjunto do aparelho estatal. A tal diversidade de
Sallum  como uma modalidade especial de
"Estados Desenvolvimentistas" corresponde,
intervencionsimo estatal, orientado nćo para evitar as fases
naturalmente, uma grande diversidade de estratégias,
depressivas do ciclo econômico capitalista mas para
bastando referir, para nćo alongar a discussćo, as diferenças
impulsionar a industrializaçćo em países de
enormes que separam as experięncias latino-americanas
desenvolvimento tardio  em relaçćo aos centros
daquelas do Este Asiático.
originários do capitalismo mundial." (p. 44). Logo a seguir
terei uma palavra sobre esta fórmula, mas antes devo
Lembrar essas trivialidades é importante porque elas
registrar o comentário que ela prepara: "Como todo Estado
desvelam uma ambigüidade fundamental no argumento de
Desenvolvimentista, o brasileiro desempenhou um papel
Sallum. De fato, ao considerar a questćo levantada
estratégico no controle das forças de mercado internas e
anteriormente, quando as levamos em conta, nos vemos
internacionais e na sua utilizaçćo em favor de um interesse
diante de duas possibilidades. A primeira é a de sustentar
nacional [...]" (p. 44).
que a vítima é o próprio desenvolvimentismo, tal como
definido na passagem antes citada. Nesse caso, bem ao
Duas observações rápidas sobre a definiçćo e o comentário.
gosto dos liberais puros e duros, neoliberais no sentido
Se o que qualifica tal ou qual Estado de desenvolvimentista
rigoroso da palavra, o Estado deve abdicar de sua antiga
é o fato de ele exibir "essa modalidade especial de
pretensćo, nefasta e vć, de orientar a economia de acordo
intervencionismo estatal", a expressćo "Estado
com uma visćo bem definida de interesse nacional,
Desenvolvimentista" denota muitas coisas, e coisas muito
cabendo-lhe intervir, sim, mas apenas para assegurar o livre
desiguais. Com efeito, exceçćo feita talvez Ä… Inglaterra
funcionamento do mercado auto-regulado. Essa
vitoriana, os demais capitalismos sćo/foram tardios, em
possiblidade, em seu utopismo radical, expressa-se no
maior ou menor grau. E todos eles  os Estados Unidos
debate brasileiro e latino-americano no proseletismo de
nćo fogem Ä… regra neste particular  lançaram mćo de
alguns poucos economistas e de organizações tais como a
políticas objetivando fomentar a indÅ›stria e desenvolver a
rede de Institutos Liberais. Em forma um tanto diluída,
"economia nacional". Nćo por acaso, um dos precursores
manifesta-se também na militância de muitos que reagem
da economia do desenvolvimento foi Lizt, um alemćo. E,
escandalizados Ä… simples mençćo de políticas industriais de
como se sabe, ele se apoiou fortemente na experięncia
corte setorial.
acumulada em sua passagem pela América do Norte.
A segunda possibilidade é afirmar que a condenaçćo pesa
Se é assim, desenvolvimentistas sćo/foram, em maior ou
sobre o "desenvolvimentismo" particular que se objetivou
menor medida, quase todos os Estados capitalistas centrais,
no Estado brasileiro há décadas, com base num "pacto"
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específico, com as normas reguladoras correspondentes, e
todas as suas taras. A crise seria, assim, a crise deste Estado;
sua resoluçćo implicaria a constituiçćo de um novo pacto e
a completa reformulaçćo do que poderíamos chamar de
"grande estratégia".
A decisćo entre esses dois entendimentos alternativos nćo
é desprovida de conseqüÄ™ncias. O primeiro, como já foi
indicado, traz embutido um roteiro do que fazer, um
programa dogmaticamente proposto e defendido como
expressćo, a um só tempo, do necessário, do possível e do
desejável.
Fundado na percepçćo de que, constrangedoras como
possam ser as injunções da economia política internacional,
continuam subsistindo para nós graus variados de
liberdade, o segundo entendimento leva-nos a preservar o
propósito de acionar o Estado (outro Estado) com o fim
de promover o desenvolvimento (outro desenvolvimento)
nacional. E a reconhecer que nćo existe resposta prévia
para a pergunta sobre o bom caminho a seguir, que ela se
abre, como sempre, para várias alternativas, e que nossa
escolha depende, essencialmente, de aonde queremos
chegar.
Entre um e outro desses entendimentos, onde se situa o
autor? Creio que no terreno do segundo, embora nćo me
caiba julgar. Se estou certo, é possível que esse comentário
venha a ser apenas o início de uma conversa que nćo tem
hora marcada para terminar.
SEBASTIÃO VELASCO E CRUZ
é professor do Departamento de CiÄ™ncia
Política da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp)


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